sábado, 24 de março de 2012

Copos de sapos

Passaste hoje por mim ao almoço.
40 e picos, alto, encorpado, boa pinta.
Deixaste um aperto de mão e um sorriso de cumprimento ligeiramente apagado.

Não fora o facto de alguém já me ter dito em tempos que tinhas um problema com a bebida, e o assunto morreria aqui.

A verdade é que por uma ou outra piada fora de contexto, alguém desconfiou, alguém reparou no teu "à vontade" com a bebida.
E esse alguém colocou-te um etiqueta ao contar-me desses pormenores.
Sabes como são as etiquetas.. Uma vez colocadas, custam muito a sair.
Foi por isso que almocei olhando de esguelha para a tua mesa, tentando validar o que me haviam contado.

Foi grave e foi triste.

Deparei-me com um homem cheio de truques.
Bebias rápido para que não se visse vinho parado no teu copo.
Pedias uma garrafa de vinho de meio litro de cada vez, devolvendo sempre a anterior para não deixar acumulá-las na mesa.
Na mesa colocaste uma 7Up que tiveste o cuidado de pedir em primeiro lugar e colocaste junto ao teu copo.
As garrafas de vinho essas, iam sendo colocadas estrategicamente uma após outra, sempre junto ao copo de quem almoçava contigo - um qualquer personagem que não sentia a necessidade de manter a aparência e que eventualmente nem sequer se terá apercebido das tuas artimanhas.

Mas tu não.
Tu vives da imagem que projectas no espelho.
Tu vives num contrasenso, num dilema.
Afogado num vício nascido no seio de uma vida de agruras.

Cada copo de vinho que bebias não era mais do que um dos muitos sapos que que já tiveste que engolir. Talvez por uma educação rígida, talvez por falta de auto-estima. Não sei.

Sei que no meio disso, o álcool foi o único que te compreendeu e que te presenteou com o esquecimento, ainda que temporário, daquilo que não conseguiste aceitar. Foi o analgésico.

No final da refeição os teus olhos eram agora mortiços, anestesiados.
A dor tinha passado, mais uma vez, por agora.

Vejo-te só, sabes?
Perdido nas tuas angústias.
Deambulando no meio da multidão, aos encontrões contra os outros.

Ao ver-te pensei para comigo quantos sapos, em formato de palavras por dizer, já eu próprio engoli na minha vida e quantos deles já consegui entretanto recusar.


Deste-me força para continuar a crescer.
Ensinaste-me mais uma vez que um Homem quando está só, verga primeiro por dentro, e só depois por fora.
Mais uma vez pude crescer não na minha pele, mas sim na dos outros. Dos mestres.

Sabes,
Observar tem sido para mim uma fonte de riqueza,
Uma Fortuna.
Ouvir, acima de tudo, e incorporar.

Vou deixar-te uma semente num dia destes, como forma de agradecimento.
Uma ou duas palavras certas que talvez consigam encontrar terreno fértil dentro do teu coração, para que deixes de uma vez por todas de olhar para o alcool e comeces a abraçar a tribo que te rodeia.

São eles que te vão salvar.
São eles o mapa que precisas para te reencontrares.

Até breve.

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